Resultado de um recurso. Reflexões de um magistrado

Publiquei um post intitulado https://artjur.wordpress.com/2011/07/03/servidor-mudanca-de-regime-juridico-perda-do-prazo-decadencia/ . Segue o acórdão que confirmou a sentença:

http://www.trf5.jus.br/archive/2011/07/00047823620104058500_20110707_4069438.pdf

Eu tenho colocado algumas sentenças minhas que podem transmitir a falsa percepção de que sou insensível ao conflito de interesses, como se quisesse demonstrar uma neutralidade. Existem casos que coloco o entendimento acerca do tema, mas não necessariamente é o meu entendimento pessoal. Particularmente, existem casos em que vc fica sensibilizado com a situação da parte, mas eu tenho uma visão pessoal sobre a função do magistrado.

Muitas vezes decido contra o meu sentimento pessoal de justiça porque entendo que a função do magistrado é velar pelo ordenamento jurídico. A justiça deve ser buscada no interior do ordenamento e não de acordo com o sentimento pessoal de cada um. Eu sinceramente não gosto muito da lógica do coitadinho em que vc defere o pedido em razão de ser pobre, analfabeta, porque está com pena e etc, uma vez que você acaba prejudicando a outra parte que tem razão (ou pelo menos, aparenta ter). Sou partidário do pós-positivismo, especialmente do neoconstitucionalismo, contudo não uso a Constituição como tábua de salvação para todos os problemas, especialmente para criar a “minha visão pessoal da Constituição”.

No caso acima que julguei (remeto o leitor a leitura do post anterior), pessoalmente entendo que a fixação de prazo decadencial cria uma situação iníqua e que a solução mais razoável seria permitir a adesão do novo regime jurídico a qualquer tempo, com efeitos financieiros a partir de então (ex nunc), sem a fixação de um prazo decadencial. Contudo, este não é o entendimento da jurisprudência e como a norma não padece de inconstitucionalidade, só me restar respeitá-la.

Em acréscimo, gostaria de compartilhar duas reflexões que escrevi em dois blogs que frequento (Gerivaldo Neiva e BLEX) e que se complementam.

http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2010/02/stj-transforma-juizados-em-ctrlc-e.html

Concordo com o comentário de Dr. Daniel Nogueira. Enquanto juiz federal, procuro-me alinhar ao posicionamento pacificado dos Tribunais Superiores, ainda que possua compreensão diversa sobre a matéria. Não me sinto submisso, pois, num Estado Democrático de Direito, ninguém é soberano. A independência do juiz deve encontrar limites nas próprias decisões do Poder Judiciário. A decisão em descompasso com a jurisprudência pacificada é uma promessa vã ao jurisdicionado. Não é a pessoa Fábio ou Gerivaldo Neiva, mas o Estado-Juiz representado por nós.
Agora, seria bom que os Tribunais Superiores não ficassem mudando tanto o seu entendimento ao sabor dos ventos. Talvez, a magistratura de 1ª instância tivesse mais facilidade de seguir o entendimento das Cortes Superiores. É claro que o juiz de 1ª instância não é carimbador das posições das Cortes Superiores, pois, quando discordo de determinada decisão, faço questão de dizer a minha posição sobre a matéria.
No caso da Justiça Federal, isto é mais fácil porque as questões possuem uma aspecto mais jurídico do que factual, embora o perfil esteja mudando. Por outro lado, somente o juiz de 1ª instância, responsável por colher a prova, tem a possibilidade de perceber o caso em sua completude. O que defendo é que a interpretação jurídica deve ser respeitada. Afinal, é triste duas pessoas na mesma situação receberem soluções diferentes. É um risco do sistema, mas deve existir mecanismos para corrigir isto. Acredito que o STJ não deve se meter o bedelho em todas as questões e que a reclamação deva ser vista como uma ação autônoma de impugnação, a semelhança do MS ou do HC.

http://blex.com.br/index.php/2009/analise/365

Nem todo caso é um caso difícil. O neoconstitucionalismo não prega uma superação radical do positivismo, mas uma readequação dentro do ordenamento jurídico. Se na fase do jusnaturalismo tinhamos que buscar inspiração de fora, as Constituições dos pós-guerra constituem uma constelação de princípios e regras que permite ao magistrado buscar a justiça no interior do ordenamento, que passa pela busca da igualdade de soluções. Já enfrentei casos difíceis envolvendo o controle de políticas públicas que não podem ser solucionados puramente com a subsunção de regras, mas isto não é a regra. A maioria dos casos é de que se a reconstrução dos fatos guarda correspondência com as premissas, justificada está a solução (justificação interna). Para superar o esquema subsuntivo, é necessário fundamentação substancial (razões superiores que justificam o descumprimento da própria regra – Humberto Avila), considerando as peculiaridades do caso concreto. E mais, se o intérprete consegue resolver o problema com a regra, porque justificar com a dignidade da pessoa humana. Já li decisões da STF uilizando dignidade e etc, mas a fundamentação era legal. A dginidade foi utilizada como adereço. Particularmente, sou contra isto porque banaliza os princípios. Aliás, não falta doutrinadores de escol como Humberto Avila, Ricardo Schief, Ana Paula de Barcellos e Daniel Sarmento que demonstram o equívoco de certas decisões. O constitucionalismo defendido por estes autores e outros teve o mérito de ampliar o debate jurídico, mas não pôs freio na criatividade dos interpretes, o que somente está sendo feito agora. Muitas vezes, tenho que dizer “não” apesar de possuir compreensão diversa sobre a matéria, mas prefiro manter a coerência do ordenamento do que parecer um corpo errático. Por outro lado, não tenho medo de evoluir quando verifico que os argumentos da instância superior são melhores do que o meu. Agora, o mais importante é ter coerência porque não se pode utilizar um argumento lá e depois negá-lo dali em diante. O princípio da não contradição e do terceiro excluído são regras de lógica que podem ser transplantadas, sem fratura, para o pensamento jurídico.
Em resumo, se para agir assim, tiver que ser taxado de positivista, o rótulo me cai bem.

Sobre FCL

Sou juiz federal da Seção Judiciária de Sergipe. Trabalhei como: 1) Juiz Substituto da 1ª Vara/SE ao da lado da Juíza Federal Telma Maria Santos Machado - no período de 06.2008 a 12.2012 2) Juiz Federal da 6ª Vara/SE - Subseção Judiciária de Itabaiana no ano de 2013. Atualmente, estou como titular da 2ª Relatoria da Turma Recursal de Sergipe. Eventuais perguntas deverão versar sobre esclarecimentos acerca dos fundamentos da decisão. Não responderei a casos concretos.
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Uma resposta para Resultado de um recurso. Reflexões de um magistrado

  1. Hendrikus disse:

    Só para complementar seu raciocínio, veja esta ementa de um acórdão do STJ:

    PROCESSUAL – STJ – JURISPRUDÊNCIA – NECESSIDADE DE QUE SEJA OBSERVADA.
    O Superior Tribunal de Justiça foi concebido para um escopo especial: orientar a aplicação da lei federal e unificar-lhe a interpretação, em todo o Brasil. Se assim ocorre, é necessário que sua jurisprudência seja observada, para se manter firme e coerente.
    Assim sempre ocorreu em relação ao Supremo Tribunal Federal, de quem o STJ é sucessor, nesse mister. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado compromisso com a justiça e a segurança. Se deixarmos que nossa jurisprudência varie ao sabor das convicções pessoais, estaremos prestando um desserviço a nossas instituições. Se nós – os integrantes da Corte – não observarmos as decisões que ajudamos a formar, estaremos dando sinal, para que os demais órgãos judiciários façam o mesmo. Estou certo de que, em acontecendo isso, perde sentido a existência de nossa Corte. Melhor será extingui-la.
    (AgRg nos EREsp 228432/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/02/2002, DJ 18/03/2002, p. 163)

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