Julgamento prima facie

Colegas,

Achei que o 285-A do CPC disse mais do que queria dizer. Assim, eu tenho utilizado o art. 285-A, mesmo quando não existe sentença anterior do juízo, mas a matéria se encontra pacificada nas instâncias superiores.

“A reforma do CPC, promovida pela Lei 11.277/06, introduziu no sistema uma hipótese de improcedência prima facie ou julgamento liminar das ações repetitivas, ao dispor:

CPC, Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)

§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)

§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. (Incluído pela Lei nº 11.277, de 2006)

Da análise do dispositivo em tela, é possível extrair dois requisitos para a aplicação do instituto: 1) que a matéria seja unicamente de direito, não necessitando de qualquer dilação probatória; 2) já tenha sido, naquele juízo, proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos.

Não obstante as imprecisões terminológicas, o legislador, em boa hora, trouxe ao mundo jurídico mais uma modalidade de julgamento liminar de improcedência em momento anterior a citação do réu, mas que não viola a garantia do contraditório, uma vez que a sentença de improcedência do pedido lhe é favorável. Trata-se de um instituto que concretiza o princípio da razoável duração do processo, conforme explicação de Luiz Guilherme Marinoni.

“Todos os dias multiplicam-se, especialmente na ‘Justiça Federal’, causas que tratam da mesma matéria de direito. O que nelas varia são apenas as partes. Qualquer juiz, membro do Ministério Público ou advogado, devidamente atento ao que se passa no dia-a-dia da Justiça civil brasileira, sabe que tais demandas exigem um único momento de reflexão, necessário para a elaboração da primeira sentença ou do primeiro acórdão. Mais tarde, justamente porque as ações são repetidas, as sentenças e os acórdãos, com a ajuda do computador, são multiplicados em igual proporção”. [1]

Inicialmente, é criticável a utilização da expressão “matéria controvertida for unicamente de direito” por duas razões. A primeira objeção é a de que a jurisdição é voltada para a resolução de casos concretos e a aplicação do direito a espécie depende da maior ou menor comprovação dos fatos. Em verdade, o legislador impôs uma cláusula de salvaguarda ao juiz para este somente aplique o instituto nas causas em que se encontra em condições imediatas de julgamento sem necessidade de maior dilação probatória.

“No plano ontológico, não há separação entre questão de fato e de direito, isto é, não envolver a análise e a prova de fatos.

A questão é exclusivamente de direito quando recai sobre a interpretação das regras e dos princípios jurídicos aplicáveis a fatos incontroversos. Não se pergunta se e como o fato ocorreu, mas quais as suas repercussões jurídicas. Dado o fato questiona-se, apenas, se e como determinadas regras ou princípios lhe são aplicáveis. Por exemplo, quando se discute se a cobrança de um dado tributo é constitucional, quer-se apenas que o Poder Judiciário se pronuncie sobre a validade de uma determinada regra infraconstitucional em relação à Constituição” [2]

A segunda é a advertência de Marcelo Colombelli Mezzomo, verbis:

“Antes de mais nada, cumpre descortinar o alcance do dispositivo. Primeiro aspecto que salta a vista é a menção a matéria controvertida unicamente de direito. Essa hipótese abarca os casos onde a lide gira em torno unicamente da aplicação do direito a fatos que não são controvertíveis (e não controvertidos), em tese.

Digo em tese porque não se pode afirmar com certeza que fatos elencados como elementos da causa de pedir não venham a ser questionados pelo réu. Até mesmo fatos notórios, por exemplo, que em regra dispensam prova do autor (art. 334, inciso I, do CPC), não estã indenes de serem questionados pelo réu.

Disso deflui que a menção a matéria ‘controvertida’ também ressoa equivocada, pois se o réu sequer foi citado, não se há falar, ainda, em matéria controvertida, senão em matéria controvertível (eventualmente). Trata-se de um juízo a priori de que os fatos que compõem a causa de pedir não serão controvertidos ou não serão alegados outros fatos passíveis de controvérsia, de modo que, presumivelmente, a discussão restaria unicamente na matéria estritamente de direito, ou seja, de subsunção dos fatos ao direito (que não se resume à lei)” [3]

A par dos requisitos de natureza geral, a doutrina agrega um de natureza negativa, que, embora não prevista em lei, decorre de sua finalidade legal do instituto, qual seja, a de acelerar a prestação jurisdicional. Com efeito, não é possível aplicar o dispositivo para julgar contrariamente a súmula ou jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores.

“Note-se, porém, que não há qualquer lógica em admitir que juiz possa julgar conforme o que decidiu em casos idênticos quando o tribunal ao qual é vinculado já firmou jurisprudência predominante ou editou súmula em sentido contrário. No caso em que o tribunal consolidou entendimento sobre a improcedência das demandas idêntica, a rejeição liminar da ação somente poderá observar a orientação do tribunal” (grifos constam no original). [1]

“Não se quer, com isto, estimular o juiz a criar a sua própria jurisprudência. O magistrado deve primar pela interpretação que esteja de acordo com a orientação dos Tribunais Superiores. Quer-se assim evitar o império de orientações isoladas (sobretudo, após ter a jurisprudência sedimentado a interpretação), já que isto, ao contrário de promover a celeridade processual, implicaria, proporcionalmente, na maior interposição de recursos” [4]

Não obstante a literalidade do texto, entendo que é possível ampliar o âmbito do texto sem romper com a finalidade legal. Como efeito, a mudança em tela não se aplica somente quando existir sentença anterior prolatada pelo Juízo em matéria idêntica, mas também, no caso de que ainda inexistente sentença anterior, houver jurisprudência dominante ou súmula dos Tribunais Superiores sobre questão idêntica. Neste sentido, colaciono escólio do Des. Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, verbis:

“Outro aspecto relevante a discutir é a expressão ‘no juízo já houver sido proferida sentença’. Deve-se entender tal dispositivo sem pretensões restritivas. Não seria demais compreender no sentido da aplicação do dispositivo, quando o Tribunal ao qual estiver vinculado o Juiz, ou Tribunal Superior, já tivesse pacificado a matéria. Penso ser ilógico o entendimento de que a expressão Juízo não possa ser entendida como referente aos órgãos jurisdicionais que, por força, inclusive, de competência recursal, poderiam apreciar a questão em grau de recurso. Poder-se-ia, nessa linha, entender-se a expressão sentença, incluindo acórdão, pois essencialmente não divergem. Esse entendimento é de ser repelido pelo mais conservadores, mas é o que mais se coadunam com as recentes reformas processuais, especialmente com as figuras das súmulas vinculantes e impeditivas de recursos” [5]

Feito estes esclarecimentos, este magistrado não possui reiteradas sentenças anteriores proferida no âmbito da XXX  Vara desta Seção Judiciária, mas a questão sub judice já foi integralmente rechaçada pelas instâncias superiores.

A pensão por morte é o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido, nos termos em que dispõe o art. 215, da Lei n. 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais:

Art. 215.  Por morte do servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art. 42.

O referido diploma estabelece, ainda, no seu art. 217, II, “d”, como beneficiário do benefício de pensão temporária, a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.

Art. 217.  São beneficiários das pensões:

e a pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do servidor;

(…)

II – temporária:

(…)

d) a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.

Essa pessoa designada, assim como o filho e o irmão órfão do segurado, perde a qualidade de beneficiário da pensão quando atinge a maioridade, aos 21 (vinte e um) anos de idade, conforme estabelece o art. 222, IV, da Lei n. 8.112/90:

Art. 222.  Acarreta perda da qualidade de beneficiário:

(…)

IV – a maioridade de filho, irmão órfão ou pessoa designada, aos 21 (vinte e um) anos de idade;

Não há, na legislação de regência, qualquer previsão de que a condição de estudante universitário do beneficiário mitigaria a norma contida no art. 222, IV, supracitado, de forma a estender o direito à percepção do benefício de pensão temporária até completar 24 (vinte e quatro) anos de idade ou concluir o curso de nível superior.

Assim, tem-se que, ainda que se demonstre a qualidade do autor de dependente da segurada falecida, não mais fará jus a pensão temporária, uma vez que foi excluída do rol de beneficiários, tornando-se, destarte, impossível a manutenção da pensão na forma requerida.

Tal entendimento está pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê nos julgados abaixo:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO TEMPORÁRIA POR MORTE DA GENITORA. TERMO FINAL. PRORROGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 1. A Lei 8.112/90 prevê, de forma taxativa, quem são os beneficiários da pensão temporária por morte de servidor público civil, não reconhecendo o benefício a dependente maior de 21 anos, salvo no caso de invalidez. Assim, a ausência de previsão normativa, aliada à jurisprudência em sentido contrário, levam à ausência de direito líquido e certo a amparar a pretensão do impetrante, estudante universitário, de estender a concessão do benefício até 24 anos. Precedentes: (v.g., REsp 639487 / RS, 5ª T., Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 01.02.2006; RMS 10261 / DF, 5ª T., Min. Felix Fischer, DJ 10.04.2000). 2. Segurança denegada[6].

DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENSÃO POR MORTE. LEI 8.112/90. IDADE-LIMITE. 21 ANOS. ESTUDANTE. CURSO UNIVERSITÁRIO. PRORROGAÇÃO ATÉ OS 24 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Nos termos do art. 217, II, “a”, da Lei 8.112/90, a pensão pela morte de servidor público federal será devida aos filhos até o limite de 21 anos de idade, salvo se inválido, não se podendo estender até os 24 anos para os estudantes universitários, pois não há amparo legal para tanto. Precedentes do STJ. 2. Recurso especial conhecido e improvido[7].

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. FILHA NÃO-INVÁLIDA DE SERVIDORA PÚBLICA FALECIDA. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO AOS 21 ANOS DE IDADE. PRORROGAÇÃO ATÉ OS 24 ANOS POR SER ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE. 1. Esta Corte Superior de Justiça possui jurisprudência no sentido de que, ante a ausência de previsão legal – uma vez que a Lei n.º 8.112/90 é taxativa ao determinar que, após completados de 21 anos de idade, somente o(a) filho(a) inválido(a) tem o direito de continuar percebendo a pensão – é impossível a prorrogação do benefício aos que, não possuindo invalidez, ultrapassaram o mencionado marco temporal, ainda que estudantes universitários. 2. A propósito da alegada incidência analógica da Súmula 358 desta Corte, entendo desarrazoada a pretensão, pois a lide de natureza previdenciária admite apenas interpretação da própria lei de regência, sendo incabível julgar a controvérsia com alicerce em exegeses analógicas de leis – ou mesmo súmulas de tribunais – estranhas ao âmbito da previdência social. 3. Agravo regimental desprovido[8].

É o caso dos autos.

Segue o acórdão do TRF da 5ª Região:

http://www.trf5.jus.br/archive/2010/03/200985000047358_20100308.pdf

 


[1] MARINONI. Luiz Guilherme – O julgamento liminar das ações repetitivas e a súmula impeditiva de recurso (Leis. 11.276 e 11.277, de 8.2.06). Artigo acessado na home page do jurista paranaense em 24 de fevereiro de 2006.

[2] CAMBI, Eduardo. Julgamento prima facie (imediato) pela técnica do art. 285-A do CPC. Revista dos Tribunais , São Paulo, a. 95, v. 854, p. 52-73, dez/2006.

[3] MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Análise crítica das Leis nº 11.276/06 e 11.277/06 . Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 992, 20 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8122&gt;. Acesso em: 19 mai. 2009 .

[4] CAMBI, Eduardo. Julgamento prima facie (imediato) pela técnica do art. 285-A do CPC. Revista dos Tribunais , São Paulo, a. 95, v. 854, p. 52-73, dez/2006.

[5] CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Considerações acerca da improcedência liminar nas ações repetitivas – um estudo sobre a compatibilidade do art. 285-A, do Código de Processo Civil, com o sistema processual vigente. Direito Federal – Revista da Associação dos juízes Federais do Brasil, Brasília, a. 23, n. 85, p. 127-144, jul./set. 2006.

[6] STJ – MS 12982 – Corte Especial – Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 01/02/2008, pub. DJ 31/03/2008.

[7] STJ – REsp 1008866 – 5ª Turma – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16/04/2009, pub,. DJ 18/05/2009.

[8] STJ – AgREsp 945429 – 5ª Turma – Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18/09/2008, pub. DJ 13/10/2008.

Sobre FCL

Sou juiz federal da Seção Judiciária de Sergipe. Trabalhei como: 1) Juiz Substituto da 1ª Vara/SE ao da lado da Juíza Federal Telma Maria Santos Machado - no período de 06.2008 a 12.2012 2) Juiz Federal da 6ª Vara/SE - Subseção Judiciária de Itabaiana no ano de 2013. Atualmente, estou como titular da 2ª Relatoria da Turma Recursal de Sergipe. Eventuais perguntas deverão versar sobre esclarecimentos acerca dos fundamentos da decisão. Não responderei a casos concretos.
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2 respostas para Julgamento prima facie

  1. Helio disse:

    Oi Fábio, belo raciocínio para aquilo que se convencionou chamar de julgamento antecipadíssimo da lide. Também comungo do entendimento, porém apenas para o caso da sistemática dos recursos repetitivos, repercussão geral ou súmula dos Tribunais Superiores. A despeito da jurisprudência dominante, às vezes o próprio tribunal rotula de pacífico algo que não é (não sendo o caso em tela). Assim, creio que só procederia em tais casos. Já tive o prazer de assistir aula com o Dr. Francisco Cavalcanti, um dos homens mais cultos que já vi pessoalmente. Possuo o seu novo livro sobre mandado de segurança e o livro de sua coordeanção com Aldeodato e Cláudio Brandão sobre o Princípio da Legalidade. Abs

  2. FCL disse:

    Helio, o seu raciocínio é bem interessante. A questão traz um problema maior, qual seja, as sucessivas reformas processuais que demandam um esforço ineterpretativo sistemático do interprete. Somente com a Lei 9.756/98 se introduziu o conceito de jurisprudência dominante. Posteriormente, veio a questão da rerpercussão geral, da súmula vinculante e dos recursos repetitivos. A vista das modificações posteriores, é defensável o seu ponto de vista de se considerar a jurisprudência dominante aquela firmada em sede de repercussão geral ou de recurso repetitivo. Agora, é importante observar que na súmula é o próprio Tribunal que a editou quem cristaliza o determinado entendimento enquanto na jurisprudência dominante é o aplicador, a partir do exame de mais de um precedente, quem vai reconhecê-lo. Talvez os legisladores reformadores consertem o problema no novo CPC, mas acho que é possível reconhecer a jurisprudência dominante, fora do recurso repetitivo ou da repercussão geral, porque existe muitas questões já pacificadas que ainda não foram objeto destes dois mecanismo. O interessante é que o julgador verifique se há precedente da Seção ou, se não houver, de pelo menos de ambas as Turmas que compôe o colegiado. Infelizmente, os Tribunais Superiores, mais o STF, não tem resolvido a questão com a necessária celeridade. Obrigado, pela participação

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