Conflito entre direito a religião e ensino da mesma pessoa

No caso em exame, a impetrante pretende obter o direito de abono/justificação de faltas referentes às aulas ministradas às sextas-feiras no turno da noite, a que não compareceu em razão do exercício de opção religiosa, que tem como um dos seus mandamentos a guarda do dia de Sábado.

A impetrante é estudante do curso técnico de informática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – IFS, no período noturno e integrante da Igreja Adventista do Sétimo Dia, conforme professado na inicial.

A impetrante e a instituição religiosa requereram administrativamente a compensação das faltas  dos horários sexta-feira a noite com atividades complementares ou considere como faltas justificadas, com base no direito a crença e liberdade religiosa (f. 49/50).

O IFS indeferiu o requerimento, nos seguintes termos:.

“Asseguramos que o IFS busca promover e valroiza a pluralidade cultural e religiosa através da livre expressão das pessoas que compõem os seus quadros docente, discente e técnico administrativo, por meio da articulação e construção dos saberes científicos, humanísticos e tecnológicos desenvolvidos em seus currículos e nas diversas atividades educativas propostas por este Instituto.

Contudo, não julgamos conveniente liberar o estudante das atividades acadêmicas agendadas para as sextas-feiras por considera que essa autorização comprometerá o desempenho desse estudante, que em cada período letivo deixará de cursar as disciplinas que foram escaladas para o referido dia. Tal procedimento acarretará prejuízos incomensuráveis à vida acadêmica do estudante, além de impedi-lo de ser promovido para o período subseqüente, já que atingirá 100% de ausência e reprovará pelo número de faltas nas disciplinas que tenham as aulas agendadas para esse dia. Salientamos, também, que essa não será uma situação pontual, pois até o final do curso o estudante terá atividades letivas de segunda à sexta-feira.” (f. 32)

Analisando o diário de classe (f. 53/54), verifica-se que a impetrante faltou 51 aulas das 84, sempre às da 6ª feira. Era obrigatório 75% de presença e que a impetrante somente alcançou 43%.

A questão sub judice encerra uma colisão em sentido restrito entre um direito fundamental de defesa (crença e religião) e um direito a prestação (educação), de um mesmo titular, ambos inseridos na ordem constitucional como princípios. O tema, naturalmente, desperta paixões, medos, entre outros. Uns defenderão o pleito, outros o repudiarão, sendo impossível alcançar um consenso. Tal circunstância decorre da quadra atual em que o Judiciário é chamado a decidir questões de envergadura política, econômica, social, colaborando e influindo com o destino da sociedade e do Estado. Neste sentido, quanto ao efeito pretendido por um princípio, vem a calhar a observação de Ana Paula de Barcellos:

“Por conta da natureza do efeito pretendido, não se trata apenas de empreender um raciocínio lógico-jurídico para apurar as condutas exigíveis; cuida-se, diversamente, de escolher entre diferentes condutas possíveis a partir de distintas posições políticas, ideológicas e valorativas. Se há um caminho que liga o efeito às condutas no caso das regras, há uma variedade de caminhos que podem ligar o efeito do princípio a diferentes condutas, sendo que o critério que vai definir qual dos caminhos a escolher não é exclusivamente jurídico ou lógico.

Alguns exemplos ajudam a esclarecer o que se acaba de expor. Tome-se, em primeiro lugar, o princípio da dignidade da pessoa humana: que efeitos ele pretende produzir? O que ele significa? Ora, que as pessoas tenham uma vida digna. Sem maiores dificuldades, é possível concluir que matar indiscriminadamente as pessoas viola a dignidade e, portanto, impedir tal espécie de ação e assegurar a vida é um dos efeitos pretendidos por esse princípio. Mas que se dirá da pena de morte, da eutanásia e do aborto, para ficar apenas no aspecto ‘vida’ da dignidade? Muitas vezes os defensores e detratores de algumas dessas políticas fundamentais, em última análise, em concepções diferentes do que seja dignidade humana, influenciada por posições religiosas, filosóficas, políticas, etc. Muito provavelmente, haverá opiniões diversas sobre os efeitos da dignidade neste ponto.[1]

A questão envolve o recurso da ponderação de bens e interesse. Segundo Ana Paula de Barcellos, consiste em “técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais”[2] no qual o método subsuntivo é insuficiente.

Este método não é o melhor ou pior para solver controvérsias constitucionais em comparação com as demais opções (limites imanentes, conceptualismo e categorização), mas é um recurso inevitável frente à atual condição das Constituições do Pós-Guerra, que refletem uma sociedade complexa e plural.

De outro lado, não se pode perder de vista que o legislador não é neutro ou indiferente a situações de conflitos e constantemente realiza um juízo de prevalência de um bem diante de uma determinada situação hipotética. Por repousar sua legitimidade no voto popular, deve-se reconhecer que compete primariamente ao legislador conformar as relações jurídico-sociais à luz da Constituição. Com efeito, além dos direitos submetidos à reserva legal, o legislador possui um mandamento para explicitar limites imanentes [3] e até mesmo estabelecer algum grau de restrição, tendo em conta conflitos específicos envolvendo direitos entre si e enunciados que consagram fins coletivos. Assim, a ponderação ocorre naturalmente, no silêncio do legislador, ou quando a regulamentação do legislador for considerada inconstitucional.

Neste passo, é lapidar a lição de Daniel Sarmento:

“A ponderação de interesses pode ser realizada pelo Poder Judiciário basicamente em duas hipóteses: (a) quando inexistir regra legislativa específica resolvendo determinado conflito entre princípios constitucionais surgido em um caso concreto, ou (b) quando a regra legislativa em questão tiver a sua constitucionalidade questionada, pela via incidental ou principal.

No primeiro caso, o Poder Judiciário terá, forçosamente, de proceder a ponderação, uma vez que não poderá furtar-se ao seu dever de resolver a lide, e a colisão entre princípios constitucionais não tem como ser equacionada senão através do emprego do método da ponderação de interesses. No segundo caso, porém, a questão torna-se um tanto mais complexa.

De fato, a necessidade de ponderação na aplicação das normas constitucionais exacerba o risco de invasão, pelo Poder Judiciário, do campo de discricionariedade inerente à atividade legislativa. Através da ponderação, os juízes que não são eleitos, podem tentar impor as suas opções políticas e ideológicas em detrimento daquelas realizadas pelos representantes do povo.

Porém, é evidente que, em uma democracia, a escolha dos valores e interesses prevalecentes em cada caso deve, em princípio, ser da responsabilidade de autoridades cuja legitimidade repouse no voto popular. Por isso, o Judiciário tem, em linha geral, de acatar as ponderações de interesses realizadas pelo, só as desconsiderando ou invalidando quando elas se revelarem manifestamente desarrazoadas ou quando contrariarem a pauta axiológica.

(…)

Trata-se, portanto, da adoção de uma postura cautelosa pelo Poder Judiciário, que os norte-americanos denominam de judicial self-restraint. A autolimitação judicial consiste numa formula de convivência entre o Judiciário e os demais Poderes do Estado, pelo qual o primeiro não abdica da sua magna função de guardião da Constituição, mas não se arvora à condição de ‘dono da verdade constitucional’, reconhecendo aos poderes eleitos a primazia na tarefa de concretização dos direitos constitucionais.

Na verdade o judicial self-restraint traduz-se numa certa deferência, devida pelo Poder Judiciário, às opções políticas do Legislativo e Executivo, em decorrência do reconhecimento da legitimidade democrática dos atos emanados dos representantes destes poderes. As decisões judiciais que afastam tais opções, por contrariarem os desígnios da maioria, expressos através da lei, só se legitimam na medida em que se ampararem firmemente na Constituição. [4]

E complementa Eugênio Pacelli de Oliveira:

“Assim, será preciso, primeiro, que se examine a questão sob a ótica da existência ou não de lei regulando o eventual conflito entre valores igualmente protegidos na Constituição; depois, será necessário o exame da constitucionalidade dessa lei, sob todos os aspectos; por último, na hipótese de lei regulando a matéria, somente um juízo de ponderação de interesses, isto é, somente um juízo de proporcionalidade, diante do caso concreto, é que eventualmente poderá resolver a questão” [5]

Se é verdade que a ponderação não consegue despir-se de seu caráter voluntário – eliminar por completo a visão de mundo do intérprete que a utiliza – deve necessariamente observar alguns parâmetros para que a atividade não descambe para uma “decisionismo irracional”, tais como o esforço de alcançar em regra a concordância prática e, se isto não for possível, a aplicação do princípio da proporcionalidade, respeitar o núcleo essencial dos direitos fundamentais e pautar-se por razões de ordem pública[6]. Em última análise, termina por estabelecer uma hierarquia móvel, diante das circunstâncias concretas.

Assim, “na ponderação, a restrição imposta a cada interesse em jogo, num caso de conflito entre princípios constitucionais, só se justificará na medida em que (a) mostrar-se apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto, (b) não houver solução menos gravosa [e igualmente eficaz], e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse deve compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico” [7]

Cumpre examinar se a marcação de aulas às 6ª feira e a imposição de falta em caso de não comparecimento constitui uma violação ao direito constitucional de religião da impetrante.

A liberdade de crença e religiosa constitui típico direito de defesa, assim caracterizado por impor ao Estado um dever de abstenção, um dever de não-interferência, de não-intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo.

A CF/88 assegura o direito de escolher e professar qualquer culto, assegurando a objeção de consciência nos casos de obrigação legal imposta a todos:

CF/88 Art. 5º. Omissis

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

A liberdade religiosa e o direito de não ser privado de direitos por motivos religiosos (art. 5º, VI e VIII, da CF 88), como quaisquer direitos fundamentais, não são absolutos.

Visando a reforçar esta garantia, a Carta Magna foi além ao prescrever a separação entre o Estado e a religião e o dever de respeitá-la, nos termos do art. 19 da CF/88:

CF/88, Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Segundo Gilmar Ferreira Mendes.

“A liberdade de consciência ou de pensamento tem que ver com a faculdade de o indivíduo formular juízos e idéias sobre si mesmo e sobre o meio externo que o circunda. O Estado não pode interferir nessa esfera íntima do indivíduo, não lhe cabendo impor concepções filosóficas aos cidadãos. Deve, por outro lado – eis um aspecto positivo dessa liberdade –, propiciar meios efetivos de formação autônoma da consciência das pessoas.

Se o Estado reconhece a inviolabilidade da liberdade de consciência deve admitir, igualmente, que o indivíduo aja de acordo com as suas convicções. Haverá casos, porém, em que o Estado impõe conduta ao indivíduo que desafia o sistema de vida que as suas convicções construíram; Cogita-se, então, da possibilidade reconhecer efeitos a uma objeção de consciência.

Tradicionalmente, a objeção de consciência liga-se a assuntos de guerra, em especial à prestação de serviços militar. E é dessa modalidade que cuidam as normas constitucionais de diversos países, inclusive o art. 143 da nossa CF.

Não é, entretanto, esta a única hipótese de objeção de consciência pensável, já que não apenas quanto ao serviço militar pode surgir a oposição a um ato determinado pelos Poderes Públicos que, embora com apoio em lei, choca-se inexoravelmente com convicção livremente formada pelo indivíduo, que lhe define a identidade moral. Reconhecendo que há outras obrigações além da militar que podem suscitar o problema, o inciso VIII do art. 5º da Constituição fala na possibilidade de perda de direito, por conta de descumprimento de obrigação legal a todos imposta, por motivos de foro íntimo, desde que o indivíduo se recuse a realizar prestação substitutiva, estabelecida por lei. A redação da norma dá ensejo a que se admita que outras causas, além da oposição à guerra, possam ser levantadas para objetar ao cumprimento de uma obrigação – o que poderá conduzir a sanções, se houver prestação alternativa prevista em lei e ela também for recusada pelo objetor.”[8]

Não obstante isso, a objeção de consciência não é um direito absoluto. A pessoa não pode sustentar o direito de praticar ilícitos, ou não pagar impostos.

Ainda na lição de Gilmar Ferreira Mendes:

“A objeção de consciência admitida pelo Estado traduz forma máxima de respeito à intimidade e à consciência do indivíduo. O estado abre mão do princípio de que a maioria democrática impõe as normas para todos, em troca de não sacrificar a integridade íntima do indivíduo.

Há de se estabelecer, entretanto, uma fina sintonia entre o direito do Estado de impor as suas normas e o direito do indivíduo de viver de acordo com a pauta de valores por ele escolhida, em face da liberdade de consciência. Nesse passo, um juízo de ponderação se mostra inevitável.

(…)

É importante, também, considera o tipo de obrigação que o Estado pretende impor. Aqui, distinguem-se obrigações que causam uma violação absoluta da liberdade de consciência daquelas que ocasionam uma violação relativa. A primeira obriga a assumir conduta sob pena pessoal, por exemplo, o serviço militar, sancionado com pena de liberdade. No segundo caso, o comportamento objetado é condição para obter um benefício ou para evitar um prejuízo. Neste último, considerações menos estritas de interesse social estarão aptas para sobrepujar o respeito à consciência individual.” [9]

Inicialmente, não participar de aulas não se enquadra na exceção de objeção de consciência, pois esta se refere a comportamentos de ordem gerais exigidos dos indivíduos, tais como o serviço militar ou a obrigação de votar. Em verdade, o impetrante optou por fazer um curso técnico de informática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – IFS, no período noturno, por livre vontade e visando provavelmente a uma melhora da sua condição econômica.

Por outro lado, o direito a educação constitui uma modalidade de direito a prestação, conforme lição abaixo:

“Enquanto os direitos de abstenção visam a assegurar o status quo do indivíduo, os direitos a prestação exigem que o Estado aja para atenuar desigualdades, com isso estabelecendo moldes para o futuro da sociedade.

Os direitos de defesa, conforme a própria denominação os designa, oferecem proteção ao indivíduo contra a opressão do estado. Já os direitos a prestação partem do suposto de que o Estado deve agir para libertar os indivíduos das necessidades. São direitos de promoção. Surgem da vontade de estabelecer uma “igualdade efetiva e solidária entre todos os membros da comunidade política”. São direitos que se realizam por intermédio do Estado.

Os direitos de defesa asseguram as liberdades, os direitos prestacionais buscam favorecer as condições materiais indispensáveis ao desfrute efetivo dessas liberdades. Os direitos a prestação supõem que, para a conquista e manutenção da liberdade, os poderes públicos devem assumir comportamento ativo na sociedade civil.”[10]

Nessa modalidade de direito, assegura-se o direito de igual acesso às instituições (modalidade de ingresso) e de igual participação nos benefícios fornecidos pelas instituições.

Segundo o Art. 2º da Lei 11.892/08, “Art. 2  Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei”.

Ora, o Estado não violou o direito de religião da impetrante porque não impôs nenhuma concepção religiosa nem dispensou qualquer tratamento discriminatório. Os horários das aulas se encontram dentro do período para o qual a impetrante aderiu (já sabia) ao ingressar no curso técnico de informática no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe – IFS, no período noturno.

A recusa do IFS foi devidamente justificada ao aduzir que “não julgamos conveniente liberar o estudante das atividades acadêmicas agendadas para as sextas-feiras por considera que essa autorização comprometerá o desempenho desse estudante, que em cada período letivo deixará de cursar as disciplinas que foram escaladas para o referido dia”.

Não cabe à Universidade adaptar seus atos e grade curricular consoante os preceitos da religião de cada aluno. A imposição de freqüência mínima às aulas e grau de aproveitamento, sob pena de reprovação, é uma norma geral, aplicável a todos os alunos que compõem o corpo discente, independentemente da opção religiosa.

Não se trata de ofensa ao direito à liberdade de crença, pois não se intervém nas manifestações e convicções religiosas, mas de fazer prevalecer os princípios constitucionais da legalidade e da igualdade em face do direito de liberdade de crença.

Se a impetrante optou por tal curso, tem que se submeter a todos os ônus decorrentes da sua escolha, não sendo razoável lhe ser dado tratamento diferenciado, pois o direito de religião, assim como os demais direitos fundamentais, não é absoluto.

Ademais, quando as pessoas se propõem a se matricular em um curso, estão cientes de que tem que se submeter às regras da instituição, sejam elas públicas ou privadas, restando tão-somente optar por um curso que melhor se adéqüe às suas próprias necessidades.

Ressalte-se que uma instituição de ensino possui centenas de alunos com uma infinidade de situações peculiares, não sendo dado que aquela tenha que se ocupar de atender os interesses individuais de cada um deles.

Não obstante nutrir um profundo respeito pela religião da impetrante, não se vislumbra qualquer comportamento abusivo ou ilegal do impetrado. Reconheço que a matéria é muito controvertida em nossos tribunais, mas filio-me a corrente diversa, conforme julgados abaixo:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. DECADENCIA AFASTADA. UNIVERSIDADE LEGITIMADA PARA A CAUSA. ADVENTISTA DO SETIMO DIA. CURSO DE ARQUITETURA. FREQUENCIA AS AULAS. CIENCIA ANTERIOR DO FATO. OBRIGATORIEDADE.

1. Decadência afastada já que a matricula foi efetivada no mês de agosto e o mandado de segurança foi ajuizado em setembro do ano de 2009.

2.A Universidade é parte legitima para a apelação já que de acordo com o inciso II do artigo 7º da lei 12016/09 a pessoa jurídica interessada deve ser cientificada do feito possibilitando o seu ingresso no processo.

3.A apelada tinha noção das rotinas acadêmicas da Universidade, seja pelo fato de que já cursava Arquitetura desde 2005, ou ainda por ter feito em momento anterior Design Gráfico. Ou seja, ao iniciar o curso em questão já tinha noção de que a sua crença religiosa a impediria de freqüentar as aulas nos dias mencionados.

4. Na verdade, como as aulas já tinham seus dias previamente definidos e a requerente tinha noção da informação, não verifico justificativa razoável para o deferimento de tratamento diferenciado dos demais integrantes da turma.

5. Permitir que a apelada deixasse de comparecer às aulas nas sextas-feiras a noite e nos sábados ou mesmo que se apresentassem em dias diversos dos demais integrantes do curso seria uma verdadeira afronta ao princípio da isonomia. No caso não se pode sequer invocar a necessidade de tratamento desigual para os desiguais, basilar em se tratando de principio da igualdade, já que a requerente tinha noção de que as aulas seriam naqueles horários. Não houve imposição por parte da Universidade razão pela qual não pode a instituição de ensino ser responsabilizada por conceder privilégios em detrimento dos demais alunos da casa.

6. Apelação e remessa necessária providas.[11]

RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO – CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA – PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE – NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88 – ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL – RECURSO DESPROVIDO.

1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital.

2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos.

3. Recurso não provido. [12]


[1] Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. págs. 174/175

[2] Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pág. 18.

[3] Segundo esta teoria, cada direito apresentaria limites lógicos, imanentes, oriundos da própria estrutura e natureza do direito e, portanto, da própria disposição que o prevê. Os limites já estariam contidos no próprio direito – que não admite determinada manifestação –, portanto, não se cuida de uma restrição impostos a partir do exterior.

[4] Ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. págs. 113/117

[5] Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. págs. 349/350.

[6] “As decisões adotadas pelo Estado, como já se disse, devem ser justificadas em termos de razões públicas. Imposições que se baseiem não em razões públicas, mas em compreensões religiosas, ideológicas ou comovisivas particulares de um grupo social, ainda que hegemônico, jamais conquistarão a necessária legitimidade numa sociedade pluralista, pois os segmentos cujas posições não prevaleceram sentir-se-ão não só vencidos, mas pior, desrespeitados. (…) Portanto, é imperativo, não só sobre o prisma ético, como também sob a perspectiva jurídico-constitucional, que os atos estatais, como as leis, medidas administrativas e decisões judiciais, baseiem-se em, argumentos que possam ser aceitos por todos aqueles que disponham a um debate franco e racional– mesmo pelos que não concordarem com o resultado substantivo alcançado”  (SARMENTO, Daniel. Legalização do Aborto e Constituição. Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 05 de set de 2008.) No mesmo sentido: O Poder Judiciário e, especialmente, as cortes constitucionais estão obrigados a restringir a justificação de suas decisões à razão pública. Como suas decisões não se legitimam pelo voto popular, devem se ater ao desiderato de contribuir para a consolidação das condições para a cooperação social. Para que a jurisdição constitucional seja exercida sem comprometê-la, “os juízes não podem invocar sua própria moralidade particular”; não podem recorrer, ao justificarem suas decisões, a “visões religiosas ou filosóficas”. O fundamento das decisões judiciais deve se limitar ao que os magistrados “julgam fazer parte do entendimento mais razoável da concepção pública e de seus valores políticos de justiça e razão pública”.

Tais valores são aqueles que os magistrados podem esperar que “todos os cidadãos razoáveis e racionais endossem.”18 Por isso, se os adeptos de determinada doutrina abrangente alentam a intenção de influenciar as decisões proferidas pelas cortes constitucionais, devem “traduzir” seus valores particulares para os termos adequados à razão pública, i. e., para a linguagem da democracia, dos direitos humanos e das teorias científicas incontroversas.(SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Ponderação de princípios e racionalidade das decisões judiciais: coerência, razão pública, decomposição analítica e standards de ponderação. Virtu – Revista Virtual de Filosofia Jurídica e Teoria Constitucional. Número 01 – Março / Abril / Maio de 2007 – Salvador – Bahia – Brasil. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br&gt;. Acesso em: 05 set. 2008.)

[7] Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pág. 96

[8] MENDES, Gilmar Ferreira et ali. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, pg. 403.

[9] Obra citada, pg. 404/405.

[10] MENDES, Gilmar Ferreira et ali. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, 1ª ed. pg. 142/143

[11] TRF 5ª Região, APELREEX Nº 9959/SE, 4ª T, Des. Federal Convocado FREDERICO PINTO DE AZEVEDO

[12] STJ, RMS 16107/PA, 6ª Turma, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 31/05/2005, DJ 01/08/2005 p. 555

Sobre FCL

Sou juiz federal da Seção Judiciária de Sergipe. Trabalhei como: 1) Juiz Substituto da 1ª Vara/SE ao da lado da Juíza Federal Telma Maria Santos Machado - no período de 06.2008 a 12.2012 2) Juiz Federal da 6ª Vara/SE - Subseção Judiciária de Itabaiana no ano de 2013. Atualmente, estou como titular da 2ª Relatoria da Turma Recursal de Sergipe. Eventuais perguntas deverão versar sobre esclarecimentos acerca dos fundamentos da decisão. Não responderei a casos concretos.
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4 respostas para Conflito entre direito a religião e ensino da mesma pessoa

  1. FCL disse:

    A título de acréscimo, a minha decisão foi reformada pelo Eg. TRF da 5ª Região:

    Clique para acessar o 00140717920104050000_20110324_3670332.pdf

  2. FCL disse:

    Ambas as notícias foram no mesmo sentido da sentença acima, fazendo a observação de que o tema é extremamente polêmico no âmbito dos TRFs.

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