Necessidade de aplicação adequada dos precedentes. Seguro-desemprego.Distinção entre casos.

Sou um defensor da teoria dos precedentes como mecanismo de assegurar a igualdade, segurança jurídica e racionalidade dos casos, contudo a aplicação de um precedente não esgota a totalidade das circunstâncias dos casos subsequentes.

Inicialmente, enfatizo que a observância dos precedentes [1] decorre da necessidade de assegurar a igualdade (casos iguais sejam tratados da mesma forma e não recebam soluções diferentes), segurança (previsibilidade, certeza e coerência), racionalidade ao sistema processual e acima de tudo justiça (evitar o arbítrio judicial) na resolução dos litígios. A teoria dos precedentes tem por escopo evitar a disparidade de entendimentos sobre a mesma questão jurídica.  O respeito aos precedentes não exige uma obediência cega [2],  já que existem técnicas [distinguishing e overruling] voltadas para flexibilizá-lo, mas que o Juiz leve em consideração no momento decidir. Neste passo, é que se fala da teoria do romance em cadeia [3] [4], na qual o Juiz, assumindo que faz parte de uma coletividade [Judiciário não é uma ilha], leva em consideração o que já foi decidido no passado para formar o seu entendimento atual e quem sabe influenciar as decisões futuras.

Excetuando-se uma questão exclusivamente de direito, nenhum caso é completamente igual a outro. A similitude fática não exige igualdade fática, mas tão-somente haja coincidência nos aspectos substanciais que permitam a aplicação uniforme do entendimento sobre a questão conforme excerto abaixo:

“os acórdãos confrontados devem ter bases suficientes iguais, ou seja, não precisam se igualar em todos os seus mínimos detalhes, mas, apenas naquilo que for essencial, nuclear, fundamental, pois, como sustenta Robert Alexy, ‘nunca há dois casos completamente iguais. Sempre se encontrará uma diferença. O verdadeiro problema se transfere, por isso, à determinação da relevância das diferenças’”

Circunstâncias do caso concreto: 1) a parte requereu o recebimento do seguro-desemprego; 2) Existe um prazo para o requerimento do seguro-desemprego sob pena de decadência, contudo o ex-empregador não entregou voluntariamente o documento necessário para o segurado requeresse o seguro-desemprego; 3) Em razão disso, o segurado ficou impedido de requerer dentro do prazo decadencial; 4) O segurado necessitou ajuizar uma reclamação trabalhista para que o empregador cumprisse a sua obrigação.

Considerando as circunstâncias acima, entendi que o prazo decadencial somente poderia ser contado a partir da efetiva entrega e não da data da rescisão do vínculo.


[1] Vide os art. 926 e 927 da Lei 13.105/2015.

[2] Edward D. Re explica que“a doutrina do stare decisis não exige obediência cega a decisões passadas. Ela permite que os tribunais se beneficiem da sabedoria do passado, mas rejeitem o que seja desarrazoado ou errôneo”. (RE, Edward D. Stare Decisis.Trad. Ellen Gracie Northfleet. Revista Jurídica, n. 198, p. 28, Porto Alegre: Síntese, 1994).

[3] “Compara-se, assim, o Direito a um “romance em cadeia” e o jurista a um romancista, a quem cabe dar continuidade ao romance jurídico, ou seja, construir uma história coerente. O passado institucional exerce, assim, uma forte constrição sobre o jurista do presente, ao julgar e interpretar os novos casos. Evidentemente, não se trata de uma vinculação pura e simples, que pudesse gerar um automatismo decisório, mas de restrição que impõe uma produtiva e inerente tensão ao intérprete: de um lado, preservar as mesmas interpretações sempre que possível e, de outro, identificar as contingências da vida e optar por outras soluções que melhor reflitam as concepções de moralidade e justiça”.

(CONTINENINO, Marcelo Casseb. ARRABAL, Alejandro Knaesel.  O problema das excessivas citações doutrinárias no STF. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-set-15/observatorio-constitucional-problema-citacoes-doutrinarias-stf >. Acesso em: 18 nov  2015).

[4] Para explicar isto, nada pode ser mais ilustrativo do que a metáfora do “romance em cadeia” (chain novel), elaborada por Dworkin — em sua clássica obra Uma questão de princípio —, segundo a qual cada juiz deveria se considerar parte de um complexo empreendimento em cadeia, ao lançar-se à criação e à interpretação jurisprudenciais.

Ao analisar a maneira como Direito se assemelha à literatura, Dworkin recorre a uma sugestiva e elaborada imagem para descrever o romance em cadeia, concebendo a interpretação jurídica como a extensão de uma história institucional do Direito, que se desenvolve a partir de inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas.

Segundo Dworkin, o processo interpretativo seria como um romance que não é escrito somente por um autor, mas, sim, por vários, eis que cada um deles é responsável pela redação de um capítulo separado, devendo continuar a elaboração do romance a partir de onde seu antecessor parou.

Tal metáfora é retomada quando, ao abordar o Direito como integridade, Dworkin compara a complexidade da tarefa a que estaria submetido cada escritor, que deverá escrever seu capítulo de modo a criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, com a complexidade da tarefa enfrentada pelo juiz, que, ao decidir um caso difícil, teria a função de dar continuidade à história.

Entretanto, Dworkin adverte que, se o juiz, assim como cada escritor da cadeia, deve proceder a uma avaliação geral do que já foi dito pelos juízes anteriores, isto não significa que ele esteja obrigado a se ater, apenas, ao que se encontra assentado jurisprudencialmente, sendo-lhe facultado, inclusive, alterar o rumo da história de acordo com as possibilidades verificadas no presente.

(TRINDADE, André Karam. O dia em que o romance em cadeia virou cadeia sem romance. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2014-mai-17/diario-classe-dia-romance-cadeia-virou-cadeia-romance&gt;. Acesso em: 18 nov  2015).

Sobre FCL

Sou juiz federal da Seção Judiciária de Sergipe. Trabalhei como: 1) Juiz Substituto da 1ª Vara/SE ao da lado da Juíza Federal Telma Maria Santos Machado - no período de 06.2008 a 12.2012 2) Juiz Federal da 6ª Vara/SE - Subseção Judiciária de Itabaiana no ano de 2013. Atualmente, estou como titular da 2ª Relatoria da Turma Recursal de Sergipe. Eventuais perguntas deverão versar sobre esclarecimentos acerca dos fundamentos da decisão. Não responderei a casos concretos.
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